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Revista Tlatelolco, PUEDJS, UNAM
Vol. 1. Núm. 2, enero-junio 2023

Sobre as possibilidades de uma segunda onda rosa: mais do mesmo ou uma nova etapa?

On the possibilities of a second pink tide: more of the same or a new stage?

Fabricio Pereira da Silva*

RECIBIDO: 21 de marzo de 2022 | APROBADO: 16 de noviembre de 2022

* Professor da Graduação em Ciência Política e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO, Brasil). Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ, Brasil), Pós-Doutor pelo Instituto de Estudios Avanzados da Universidad de Santiago de Chile (IDEA/USACH, Chile). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0266-4084

Resumo

Este artigo analisa a conjuntura política latino-americana, discutindo as possibilidades de uma segunda “onda rosa” na região. Inicia retomando argumentos em torno das esquerdas “refundadoras” e “renovadoras” que protagonizaram o ciclo “progressista” anterior, de modo a fazer um balanço daquele fenômeno. Apresenta elementos do atual ciclo de direita, destacando suas principais características. Introduz o processo chileno do estallido social à eleição de Gabriel Boric, como possível ponto de virada na direção de um novo ciclo. Projeta alguns dos possíveis elementos e clivagens desta segunda “onda rosa”. Finalmente, conclui com uma reflexão sobre o futuro das esquerdas latino-americanas.

Palavras chave:

Esquerdas latino-americanas“onda rosa”ciclo “progressista”estallido socialsegunda “onda rosa”.

Abstract

This article analyzes the Latin American political conjuncture, discussing the possibilities of a second “pink tide” in the region. It begins by resuming arguments around the “re-founding” and “renewing” lefts that were the protagonists of the previous “progressive” cycle, to take an overview of that phenomenon. It presents elements of the current right-wing cycle, highlighting its main characteristics. It introduces the Chilean process from the social outbreak to the election of Gabriel Boric, as a possible turning point in the direction of a new cycle. It projects some of the possible elements and cleavages of this second “pink tide”. Finally, it concludes with a reflection on the future of the Latin American left.

Keywords:

Latin American leftpink tideprogressive cyclesocial outbreaksecond pink tide.

Sumário:

1. Introdução

Este artigo procura desenhar uma visão geral da conjuntura política latino-americana neste princípio da década de 2020, usando como recurso a imagem das “ondas” ou “ciclos”. Começo por um questionamento preliminar. Para que mais uma análise de conjuntura, numa região que nos observa como uma esfinge e teima em devorar qualquer analista? Tanto pior se o analista for um cientista político, formado (como todos os politólogos da região) a partir de parâmetros epistemológicos norte-americanos e europeus ocidentais. Não se trata de considerar que a região esteja atravessada por algum atávico realismo mágico que impeça a compreensão da nossa realidade. Seria mais uma questão de considerar que há um desenvolvimento insuficiente de lentes próprias para entender uma modernidade que é particular, periférica, dependente (Domingues, 2009; Wallerstein, 2007; Ribeiro, 2017), que alguns ainda teimam em entender erroneamente como “incompleta” ou “atrasada”. Me animo a “cometer” mais uma análise de conjuntura por duas razões. Uma razão atende pelo nome de estallido social, e se desdobra na eleição de Gabriel Boric em dezembro de 2021. Estava em terras transandinas nas duas oportunidades, 2019 e 2021, e fui marcado indelevelmente por esse processo de transformação em andamento. Depois da derrocada representada pelo golpe de 2016 brasileiro e pela catástrofe Jair Bolsonaro, é decisivo e animador constatar: eppur si muove, “e, no entanto, se move”. E o que se dá no Chile pareceria em princípio algo carregado de novidades – não mais do mesmo.

A segunda razão é o que parece ser um razoável sucesso de análises de conjuntura anteriores, que andei “cometendo” de tempos em tempos (Pereira da Silva, 2017, 2015, 2012). Entre erros e acertos, elas parecem ter se salvado, e estão entre os meus trabalhos que tiveram maior repercussão. Assim, retomo parte da argumentação das referidas análises anteriores, e apresento duas novas propostas. A primeira é entender o ciclo atual de direita não como um “interregno” entre “progressismos”, tampouco como uma “restauração”. Elementos desta onda de direita seguirão vivos nos próximos anos, e ela apresenta elementos próprios e novos que a diferenciam parcialmente de etapas anteriores. A segunda é que a nova onda rosa será efetivamente um momento distinto em relação à onda rosa anterior. E seria analiticamente errado e politicamente desastroso entendê-la como um segundo tempo da primeira onda rosa – ou pior, como a continuação de algo que nem teria chegado a terminar, apenas momentaneamente bloqueado.

O artigo terá a seguinte estrutura. Na primeira parte, vou retomar e resumir argumentos que apresentei em outros lugares sobre as duas esquerdas (“refundadoras” e “renovadoras”), um ciclo nomeado “progressista” e seu balanço final (ou seja, algo que se esgotou). Na segunda parte, vou propor um balanço parcial (ou seja, de algo que ainda seguirá determinando os próximos passos da região) do ciclo de direita, destacando o que considero ser seus elementos principais. Na terceira parte (intermediária), vou tecer algumas observações sobre o Chile do estallido social à eleição de Boric, apresentando este caso como um potencial ponto de virada. Na quarta parte, procuro destacar alguns elementos do novo ciclo, e eventuais clivagens que teimam em se apresentar entre as esquerdas. Por fim, não apresento uma conclusão, mas uma reflexão em tom pessoal (como esta introdução) sobre o futuro das esquerdas latino-americanas.

Porém, antes de prosseguir, cabe uma observação teórico-metodológica. Toda a profusão de referências a “ondas”, “marés”, “ciclos” constitui um recurso analítico para organizar a realidade. Neste sentido, trata-se de uma simplificação da realidade, como é qualquer generalização, produção de tipos ideais ou recursos deste tipo. Mas isto não significa que estes exercícios não tenham base concreta na realidade da região. Há efetivamente tendências que predominam, movimentos hegemônicos que se impõem, sempre em relação (quase sempre em conflito) com outras tendências contra-hegemônicas, que podem substituí-las mais adiante, desaparecer ou combinar-se em novas sínteses. Observar estas “ondas” é algo simples na América Latina, considero difícil ignorar que elas efetivamente existem.

Sempre há exceções, e sempre haverá algum analista para apontá-las. Mas uma democracia liberal na Venezuela não nega a existência de um ciclo de ditaduras civis-militares de segurança nacional entre meados dos anos 1960 e meados dos anos 1980. Nem o uribismo na Colômbia nega a existência de um ciclo de governos “progressistas” nos anos 2000 e primeira metade dos anos 2010. Desse modo, seguiremos lançando mão da imagem das “ondas” como recurso analítico, reconhecendo que há exceções e especificidades. E considerando também que elementos de um ciclo em declínio não desaparecem de um momento para outro, e podem se apresentar durante o ciclo seguinte: contradizendo-o, ou mesmo como parte constitutiva dele.

2. As “duas esquerdas” e um balanço da onda rosa 1.0

Parte considerável da literatura especializada construiu o mito das “duas esquerdas”: uma “moderada” ou “social-democrata”, outra “radical”, “autoritária”, “populista” (Petkoff, 2005; Castañeda, 2006; Alcántara, 2008). Entre as primeiras, sempre estavam Uruguai, Brasil, Chile (quando considerado parte do ciclo), El Salvador; entre as segundas, Venezuela, Bolívia e Equador. Argentina e Nicarágua apareciam ora em um, ora em outro grupo. Em outros lugares argumentei que, se havia diferenças entre elas, estas se explicavam não a partir de maus conceitos como o de “populismo”, ou a partir de simplificações como a acusação de autoritarismo (Pereira da Silva, 2011). Dilemas em torno de “revolução” ou “reforma”, de que forma lidar com as instituições da democracia liberal, atravessam desde o princípio todas as experiências, correntes intelectuais e organizações de esquerda. Desse modo, atravessavam igualmente todas as experiências concretas dos chamados (por eles próprios e pela literatura simpática a eles) “governos progressistas” latino-americanos. Tais dilemas, por serem transversais a todas as experiências, não serviam para classificá-los.

Propus então uma díade alternativa, baseada em elementos políticos, sociais e econômicos, entre os limites estruturais e as possibilidades de agência daquelas forças políticas, que denominei “renovação”/“refundação”. Haveria conjunturas propícias à renovação política sem uma ruptura (levando a uma maior ênfase num liberalismo social); e outras situações propícias à ruptura da institucionalidade política e de padrões de sociabilidade vigente (não confundir com ruptura com o capitalismo). Não havia diferenças essenciais entre aquelas esquerdas, tampouco entre seus governos. Mas claramente houve experiências que foram mais longe em proposições novas: por exemplo, “democracia comunitária”, “conselhos comunais”, “direitos da natureza”, “bem viver”, e alguns ensaios no sentido de novos modelos de desenvolvimento (“neodesenvolvimentistas” ou um pouco mais além disto).

Mas para além das diferenças, pode-se notar traços comuns a todos os espécimes daquela família: uma recuperação do Estado como agente de mudanças; um incremento da participação social em diferentes níveis e com diversos modelos institucionais; um redesenho de suas relações internacionais, numa perspectiva Sul-Sul; e um considerável investimento em políticas de redução da pobreza, e um tanto mais lateralmente das desigualdades. É comum afirmar-se que estas políticas (e com elas este ciclo) se “esgotaram”. A ideia é válida, mas entendendo esse esgotamento até certo ponto como um “sucesso”. Poderiam ter se proposto a ir mais longe, a forçar limites (Reis, 2020). Poderiam ter avançado novos modelos de desenvolvimento, e ter baseado menos suas estratégias no “consenso das commodities” (em diversos casos levando à reprimarização de suas economias) e na expansão do consumo (Gaudichaud et al., 2022; Svampa, 2019; Schavelzon, 2016). Mas, de um modo geral, aqueles projetos chegaram até os limites que se propuseram – suas políticas não foram “fracassadas”. Porém, a partir daí encontraram dificuldades em se relançar, em compreender as sociedades transformadas com as quais teriam que lidar a partir do próprio sucesso de suas políticas.

A onda refluiu, o que não significa que expressões retardatárias não pudessem surgir, como a (anteriormente bloqueada mediante fraude) eleição de Andrés Manuel López Obrador no México; ou sobrevivências esgotadas não pudessem se manter, como Nicolás Maduro na Venezuela e Daniel Ortega na Nicarágua. Estes últimos são testemunhos enfáticos do fim daquele ciclo: fantasmas que podem vagar ainda por um largo período, e que para se preservar no poder com apoio minoritário e em contraciclo recorreram a soluções autoritárias. Trata-se de dois casos de derivas autoritárias e inconstitucionais ocorridas nos últimos anos, quer se analise desde uma perspectiva teórica liberal-representativa, quer se observe desde uma perspectiva de democracia participativa radical (à qual me filio). Os dois regimes desmontaram os mecanismos tradicionais de representação, perseguem setores da oposição, restringem a atuação da mídia, excluem setores políticos, encarceram candidatos, enquanto refluíram mecanismos de participação experimentados nos primeiros anos de governo (Lander, 2019; Martí I-Puig et al., 2022).

3. Do ciclo de direita: neoliberalismo autoritário ou de democracia limitada

O que assumiu o lugar do “ciclo progressista” na região não é tão claro, porque não chegou a estabelecer uma sólida hegemonia. É sem dúvidas uma onda de direita, com distintas nuances. Governos de direita chegaram ao poder em todos os países da região nos últimos anos (ao menos momentaneamente, como na Bolívia), com exceção da Venezuela e da Nicarágua. A proposta deste artigo não é analisar a fundo esta onda. Porém, é necessário fazer menção a algumas de suas características, para melhor compreender em que contexto (e em disputa com quais forças) a nova onda rosa irá se desenvolver. Para caracterizar o ciclo de direita que começou em meados da década de 2010, tentemos escapar da aplicação de análises duais do tipo “liberais” e “conservadores”, “democratas” e “autoritários”, “novos” e “velhos”, “cosmopolitas” e “nacionalistas” (como dito, algo recorrente nas análises do ciclo anterior). Procuremos características comuns, entendendo que se trata de um balanço de algo que ainda não terminou. Se deve entendê-lo como algo que tem seus elementos próprios e novos, que projeta um futuro – não apenas a restauração de um passado, mítico ou não. Consequentemente, algo que não deve ser tratado como uma “restauração conservadora”, como um retorno ao passado, como uma retomada de políticas neoliberais dos anos 1990 ou algo neste sentido. Trata-se de algo em boa medida distinto.

Distinto porque: 1) apresenta características do “neoconservadorismo” que não se faziam presentes no ciclo de direita anterior, em alguns casos de “neofascismo”, e seu neoliberalismo é mais agressivo e antipovo (algo típico de um discurso que parece e se entende como vitorioso); 2) se organiza de forma diferente, disputa eleições e organiza golpes de forma diferente, governando de forma autoritária ou com democracia limitada; e 3) apresenta um alinhamento internacional distinto ao dos anos 1990. Vejamos rapidamente estas características. Evidentemente, estas direitas acumulam uma larga história na América Latina (constituem a regra, não a exceção), e não fazem tábula rasa das ideias, correntes e famílias que as informam desde a constituição da região. Famílias “liberais”, “conservadoras”, “integristas católicas”, etc., seguem presentes, informando suas propostas e ações. Porém, há uma renovação, no sentido em que estes elementos se apresentam com novas roupagens. Diversos de seus líderes se expressam como figuras mais agressivas, autoritárias, associadas a valores e práticas em parte inspiradas no “neoconservadorismo” ou “tradicionalismo” (Teitelbaum, 2020), como nos casos de Jair Bolsonaro, Nayib Bukele e Iván Duque, que predominam neste ciclo atual. Pode-se sugerir também que o “neoliberalismo” atual seria uma concepção que se expressa para além das reformas privatizantes associadas anteriormente ao Decálogo de Washington. Ele assumiu nas últimas décadas raízes profundas nas sociedades latino-americanas. Neste sentido, se constitui num modo de vida hegemônico, que atravessou o ciclo “progressista” anterior em processo de desenvolvimento (molecularmente, mas também presente em parte das políticas “progressistas”). E se expressará no novo ciclo progressista, limitando-o. Se associa à uberização, ao empreendedorismo, ao individualismo, às milícias privadas e paramilitares, ao tráfico de drogas, ao consumismo, ao neopentecostalismo (Dardot y Laval, 2016; Gago, 2018).

Estas direitas também adotam novas práticas para disputar o poder. Estes recursos passam pelos golpes institucionais (Honduras, Paraguai, Brasil), pelo lawfare com intenção de impedir mediante criminalização o retorno de líderes “progressistas” ao poder, pela profusão de fake news e digitalização das campanhas eleitorais. Se alguns poucos partidos tradicionais de direita ainda sobrevivem na região (como o Partido Nacional no Uruguai e o Partido Colorado no Paraguai), tem sido mais comum uma profusão de candidatos que se apresentam de forma independente, a partir de plataformas cidadãs e partidos de aluguel. Trata-se de uma direita que se afasta explicitamente de suas instituições tradicionais (em alguns países da própria Igreja Católica, com a qual constantemente se chocam). E que em diversos casos aposta mais abertamente na defesa da ditadura, na perseguição a opositores e em estados de exceção permanentes. Se no ciclo anterior de direita seus representantes procuravam apresentar-se como “democratas”, esta exigência parece menor agora. Elas governam de forma abertamente autoritária, provocando a todo momento os limites da combalida democracia liberal (caso de Bolsonaro, Bukele, Duque), ou recorrendo a sucessivos estados de exceção (como em boa parte do segundo mandato de Sebastián Piñera).

Finalmente, há um alinhamento sem balanceamentos aos EUA, e um abandono das políticas integracionistas regionais (mesmo de “regionalismo aberto”) em comparação ao ciclo de direita anterior. A preferência de alinhamento internacional das direitas latino-americanas desde 1945 tem sido com os EUA, evidentemente. Porém, no ciclo anterior, entre os anos 1980 e 1990, se apostou em políticas mais multicêntricas (com a provável exceção do México), e especialmente na construção de instituições de integração sul-americana, ibero-americana, dos países lusoparlantes. Mesmo as propaladas “relações carnais” do menemismo com os EUA deram espaço a uma aposta no Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). Agora, o que se vê são instituições sul-americanas, latino-americanas e Sul-Sul abandonadas, e uma notável ausência de iniciativas assertivas nas relações internacionais de um modo geral.

No entanto, estes governos de direita vêm sendo derrotados sem terem conseguido se manter nem uma década no poder. Mais precisamente, eles têm se mantido por apenas um mandato. As exceções a esta regra foram Honduras e Paraguai – dois países nos quais elas haviam retomado o poder mediante golpes institucionais, o que deve ser levado em conta. Pode-se sugerir então que hoje, numa região (ainda) formalmente democrática em sua maioria, e com os maiores níveis de desigualdade do planeta, seria difícil o estabelecimento de uma hegemonia explicitamente de direita. Pode-se considerar também que a crise e reconfiguração do capitalismo (desde 2008) e o fim do “consenso dos commodities” não favorece este novo ciclo – tampouco a desorganização em diversos níveis promovida pela pandemia de COVID-19 nos últimos anos. De um modo geral, o que se apresentam são sociedades crescentemente divididas, polarizadas, atomizadas, “eleitorados mais esquivos e opiniões públicas mais crispadas (especialmente no marco da pandemia) (Stefanoni, 2022). Efetivamente, nas 12 eleições presidenciais ocorridas desde 2019 na região, em 11 se elegeram oposicionistas (Lissardy, 2022). A exceção está na Nicarágua em 2021, claramente uma eleição de fachada realizada apenas para manter Ortega no poder. Pode-se considerar que uma possível nova onda rosa, nesse contexto, igualmente vá enfrentar dificuldades de monta para se manter, o que poderia estender indefinidamente uma situação de ciclos e contraciclos curtos que não chegam a se consolidar – numa larga crise orgânica regional. Isto se algo substancialmente novo não se apresentar. Aqui entra a potência do processo de refundação chileno.

4. estallido social e o fator boric

A vitória de Gabriel Boric no segundo turno da eleição presidencial chilena de 19 de dezembro de 2021 pareceu manter o país no caminho de transformações aberto pelo estallido social de outubro de 2019. Acima de tudo, confirmou a transição da revolta popular para a via institucional, traduzindo e ao mesmo tempo “domesticando” as fortes demandas emanadas das ruas. No entanto, a situação se apresenta neste momento truncada, a partir das indecisões de rumo experimentadas pelo governo ao longo dos primeiros meses e principalmente da derrota em referendo da proposta de nova Constituição em setembro de 2022. Abre-se um período de incertezas quanto à efetiva substituição da Constituição pinochetista de 1980, e de que modo isto se daria. Na medida em que a revolta popular foi canalizada para a via institucional mediante a promessa de uma nova Constituição, o bloqueio definitivo deste processo inevitavelmente se confundiria com uma derrota do estallido social.

De todo modo, para além da “domesticação” institucional do processo transformador, Boric se apresenta como um presidente com uma agenda de reformismo forte, adequada ao processo refundador inaugurado pelo estallido social. O desastre que representaria uma vitória de José Antonio Kast foi bloqueado, dando lugar a um governo que parece se projetar como de transição entre a democracia limitada instaurada pela transição pactuada (que se esgotou em 2019) e um novo regime que virá. Trata-se então de um processo de refundação, mas isto não significa que deva ser associado às refundações da primeira onda rosa, menos ainda que vá replicá-las. Apresenta diversos aspectos novos. É evidente que a agenda de reformismo forte do novo governo será em boa medida bloqueada pela previsível sabotagem do mercado financeiro e das elites chilenas, bem como pela ausência de uma maioria parlamentar sólida – e pelos esforços já notados no começo de seu governo para se apresentar como mais moderado. Ainda assim, a vitória de Boric foi um ponto de virada, reforçando a tendência de retomada de governos de esquerda e centro-esquerda na América Latina, e desidratando as versões regionais de governos de direita autoritários ou de democracia limitada.

Porém, o governo Boric ao final provavelmente se diferenciará de outras experiências regionais, que podem ser consideradas reedições do “ciclo progressista” em versão rebaixada. Governos como os de López Obrador no México, Alberto Fernández na Argentina, e o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil, apontam até aqui para tentativas de retomada de projetos já levados a seus limites, como argumentei anteriormente. Teriam chegado ao limite de suas propostas de mudanças sem ruptura, e em boa parte perderam sua capacidade mobilizadora. Outros governos, como os de Maduro na Venezuela e de Ortega na Nicarágua, o primeiro sobrevivente do “ciclo progressista” original em sua versão refundadora, o segundo vindo de etapa rupturista anterior e reencarnado no “ciclo progressista”, se apresentam como degenerações autoritárias de si mesmos (como argumentei anteriormente). Consideremos o caso brasileiro mais de perto para reforçar este ponto. O retorno do lulismo no Brasil não se traduz em expectativas de transformações estruturais, mas simplesmente de bloqueio do autoritarismo, ignorância, violência e desmonte social, levados a cabo pelo governo de extrema-direita de Bolsonaro. A opção vitoriosa por estreita margem no segundo turno das eleições presidenciais de 2022 expressa uma “frente ampla” pela democracia, antifascista – de nenhum modo uma alternativa de esquerda. Trata-se então de expectativas consideravelmente rebaixadas em relação aos primeiros governos de Lula (que não chegou a propor nem realizar transformações estruturais). Se antes se podia esperar ao menos reformas e consideráveis investimentos sociais, agora a expectativa é de que Lula consiga governar e concluir seu mandato, instaurando alguma “normalidade” democrática. Como se vê, são expectativas rebaixadas. Ao que parece, trata-se de uma tentativa de reinstaurar a chamada “Nova República” (como ficou conhecido o período democrático encerrado em 2016), num quadro em que ela não mais existe. De gerar alguma sensação de normalidade em meio a um processo que tem sido tudo menos normal, de crise orgânica estendida.

Já de Boric se pode esperar mais. Seu governo deveria se portar como inaugurador de uma nova etapa, o que teria que se consolidar pelo sepultamento da Constituição pinochetista de 1980. Não há no projeto vitorioso (nem haverá em qualquer outro exemplar da possível nova onda rosa, nem houve da anterior) nada que se assemelhe a “socialismo”, “comunismo” e outros fantasmas agitados por Kast durante a campanha eleitoral. No entanto, há sim um projeto inclusivo forte, com ampliação de direitos para as minorias oprimidas e expansão do acesso à saúde, educação e previdência social. Um projeto, portanto, marcadamente à esquerda – significativamente mais em comparação com a versão mais à esquerda dos governos concertacionistas, o segundo mandato de Michelle Bachelet. Neste sentido, é um projeto que poderia começar a romper com o liberalismo como “modo de vida”, mencionado anteriormente, que hoje se estabeleceu hegemonicamente na região, para além da presença ou não de “progressismos” no poder. Isto foi particularmente claro no Chile: esta sociabilidade neoliberal e autoritária atravessou diferentes níveis da vida social, seguindo seu desenvolvimento que se iniciou no pinochetismo, mesmo com a democratização formal e os governos da Concertação (Araujo, 2016; Moulian, 2017). Mas acima de tudo, um fator decisivo é que o novo governo é tradução institucional de uma revolta popular. Mais ainda: trata-se de uma nova geração que emerge: sai a geração de 1968, dos jovens quadros do governo de Salvador Allende e já não tão jovens durante a transição pactuada e governos concertacionistas. Entram em cena os meninos e meninas da revolução dos pinguins de 2006 e da revolta estudantil de 2011 e 2012.

Regionalmente, o governo de Boric também poderia se apresentar como uma novidade – em meio a retomadas rebaixadas em contextos deteriorados de projetos de duas décadas atrás. Ele poderia vir a ser aquela síntese sempre buscada, tão necessária e difícil, entre institucionalidade e mobilizações populares. Também, um equilíbrio das agendas de redução da pobreza e da desigualdade econômica tradicionais das esquerdas com “novas” questões como as ecológicas, indígenas, de direitos reprodutivos e das demais minorias. Finalmente, poderia experimentar formas de potencialização da democracia para além da institucionalidade liberal, sem cair em derivas autoritárias no processo. Mas o que ocorreria se a institucionalidade pinochetista seguir vigente ao final de seu governo, mediante o bloqueio do processo constituinte? Poderia se prever um novo ciclo de protestos e uma situação de crescente instabilidade político-social, no limite um “empate catastrófico”?

5. O que esperar: onda rosa 2.0 ou mais do mesmo?

A segunda onda rosa se apresenta neste momento como potência na região. Se debate entre o novo e o velho: o novo que está nascendo, o velho que se recusa a morrer. Se apresenta numa conjuntura de larga transição, em direção a um (ainda nebuloso) momento histórico distinto daquele que se apresentou na virada do século XX para o XXI. Considerar que os novos governos deveriam simplesmente reeditar estratégias da primeira onda, ou pior, considerar que ela nem terminou – só foi momentaneamente bloqueada por uma “reação conservadora” – levaria a um desastre, analítico e político. Num contexto de crise orgânica e de diversas transições sobrepostas, projetar uma onda rosa que retome a anterior sem maiores autocríticas e adaptações levará a resultados inferiores em comparação com a primeira onda, e certamente a uma sobrevivência mais curta. Seria tentar realizar mais do mesmo, porém num contexto pior e a partir de sociedades que se transformaram consideravelmente.

As eleições de Gustavo Petro para a Presidência da Colômbia em junho de 2022 e de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência do Brasil em outubro de 2022 confirmaram o avanço de uma segunda onda rosa na região. Assim, no começo de 2023, quase toda a região estará outra vez governada por partidos e movimentos à esquerda do espectro político. Isto inclui países que não participaram da primeira onda rosa, como México, Colômbia e Peru. Podemos considerar rapidamente alguns elementos novos, que poderiam assumir centralidade neste segundo ciclo, particularmente se houver mobilização popular na direção de maior radicalidade. Nacionalismos exclusivistas podem ser parcialmente contornados por uma retomada decidida da integração regional e de iniciativas de ativação de identidades regionais abrangentes. Pode-se tirar proveito de instituições de integração que estão dormentes (as refundando) e buscar estratégias conjuntas para enfrentar questões como a crise climática, a superação definitiva da pandemia e prevenção da próxima que virá, a circulação de pessoas e uma cidadania regional, a superação do extrativismo, a expansão de direitos, a redução da dependência epistémica e tecnológica.

Estatismos exclusivistas também podem ser contornados, considerando-se o Estado como um núcleo articulador de questões complexas, e de alianças efetivas entre forças políticas e movimentos/redes de movimentos sociais. Esta condensação de demandas pode ser entendida até mesmo como estratégia para a produção de hegemonia, sintetizando as diversas demandas fragmentárias em torno das múltiplas formas de opressão (que as esquerdas devem seguir acolhendo, mas não podem se constituir no único polo de sua ação). O Estado se faz importante também para projetar mais decididos investimentos em ciência, tecnologia, inovação e educação, como forma de reverter o neoextrativismo primário e, mais ainda, o “extrativismo infocognitivo que gera uma dependência da mentefatura” (Ramírez Gallegos, 2021, p. 7). Finalmente, pode-se aprofundar em versões radicais de democratização, cogoverno e repartição de poder, que deverão envolver o Estado em novas articulações com sujeitos coletivos.

Neste sentido, pode-se pensar em sínteses superadoras do dilema que foi traduzido pejorativamente como “pachamâmicos” versus “modérnicos” – e que parece atravessar as esquerdas regionais contemporâneas. Este dilema foi exemplarmente traduzido na divisão entre correístas (Andrés Arauz) e indigenistas (Yaku Pérez) nas eleições presidenciais equatorianas de 2021, que levou à derrota das esquerdas e eleição de Guillermo Lasso. Apesar de, até certo ponto, expressar mais uma díade simplificadora na análise sobre as esquerdas regionais (mencionamos muitas ao longo deste artigo), a referida divisão equatoriana, associada aos debates às vezes violentos desatados no interior da intelectualidade crítica durante a última década, fazem supor que em algum nível tal dicotomia efetivamente exista. Ao que parece, vivemos uma nova disputa nos últimos anos no interior das esquerdas e da intelectualidade crítica da região, herdada do primeiro ciclo “progressista”. Se apresentaria agora uma contradição entre o “neoextrativismo” ou “(neo)desenvolvimentismo” e o “ecologismo”, “indigenismo” ou “bem viver” (Cortés, 2021) – substituindo em parte a anterior divisão tão propalada na literatura entre os “radicais” ou “populistas” e os “moderados” ou “democratas”. Na literatura, aquela divisão parece ter sido introduzida por Pablo Stefanoni (2011), ao desqualificar o que nomeou “pachamamismo”. O fez desde um enfoque modernista, desenvolvimentista, em certa medida eurocêntrico – imediatamente problematizado por Arturo Escobar em seu texto “¿Pachamámicos versus modérnicos?” (2011).

Se há efetivamente esta contradição, ela não deve ser entendida como insuperável. Se faz necessário estender pontes, de modo a permitir diálogos e propor novas sínteses criativas. Por uma parte, não é mais possível manter-se nos limites do desenvolvimento econômico ocidental clássico, que está levando a humanidade a um beco sem saída. Se pode pensar em desenvolvimentos alternativos para além de um “desenvolvimento sustentável”, evitando reeditar até o esgotamento estratégias depredadoras da natureza. No entanto, estas alternativas não podem prescindir de um horizonte explicitamente pós-capitalista; abandonar a questão da luta de classes como um elemento central (ainda que conjugada a múltiplos olhares, tendo em conta pensamentos radicais indígenas, negros, feministas); nem ignorar o papel imprescindível do Estado como indutor e organizador de projetos transformadores. Neste sentido, o processo refundador chileno eventualmente teria algo a contribuir, agregando novos elementos e perspectivas relativas a temas como desenvolvimento, ecologia, crise climática, concepções de progresso, direitos indígenas, reprodutivos e dos imigrantes, feminismo, entre outros temas. Espera-se uma articulação positiva e produtiva do novo governo na normatização e consolidação de novos direitos que estarão presentes na nova Constituição.

6. Uma reflexão final em torno do bem viver e de uma temporalidade alternativa

Para concluir, retomo um tom pessoal, de modo a não tratar apenas da conjuntura, mas discutir possibilidades de relançamento de uma política de esquerda radical na América Latina. Sugiro que, como estratégia para este relançamento, se pode retomar desde as esquerdas a potência da organização comunal. Debates sobre comuns (Commons), comunidade, comunismo, podem ser reativados e fortalecidos desde uma mais decidida abertura às “Epistemologias do Sul”. Se podem buscar formas de reativação e enriquecimento daqueles debates lançando mão de um repertório que segue disponível, mas em processo de extinção, se não se preserva e fomenta a “ecologia de saberes” (Santos y Meneses, 2010), ou a “eidodiversidade” (Devés y Kozel, 2018). O debate em torno do comum não é monopólio das periferias globais, ou das epistemologias alternativas obscurecidas pelo “pensamento abissal” (Santos, 2007). Ele se expressa em cada momento revolucionário, em cada assembleia de bairro ou conselho operário, em cada soviet que emerge. Se apresenta em diversas propostas contemporâneas em torno da ideia de Commons. No entanto, ao que parece, guarda nas periferias uma potência mais considerável. Promete uma possibilidade de estruturar espaços de produção e sociabilidade comunal, que molecularmente rompam com a sociabilidade individualista e consumista do capitalismo, aprofundada em sua versão neoliberal avançada. Desse modo, teria a potência de alimentar utopias em nosso presente “presentista” (Hartog, 2014) – o que é uma condição para nossa própria sobrevivência enquanto espécie. Na América Latina, se expressa na agência de organizações de moradores, caixas de auxílio mútuo, movimentos sem-terra e sem-teto, caracoles zapatistas, quilombos, palenques e cimarronesllamadas de candombe, candomblés e santerías, cooperativas, ayllus, comunidades eclesiais de base, movimentos indígenas, feiras, mutirões, grupos de troca, assembleias de bairro, empresas recuperadas, coletivos de arte, piquetes. Se expressa em cada Plaza Dignidad que se constitui na região.

Como um exemplo paradigmático, pensemos nas propostas do “bem viver”. Estas se constituíram nos Andes, como sumak kawsay (do quíchua) e suma qamaña (do aimara), se traduziram em algum nível em elementos das novas constituições equatoriana e boliviana. Mas elementos desse tipo de concepções podem ser encontrados em conceitos presentes em diversos povos indígenas da região, como no ñande reko dos guaranis ou no küme mogen dos mapuches. Ademais, esta proposta é uma síntese em si mesma, pois tem contribuições do Sul e do Norte Global, de indígenas e intelectuais ocidentais. Foi construída com base em valores e práticas indígenas andino-amazônicas, mas em boa medida traduzida por intelectuais aimaras e quéchuas/quíchuas com formação universitária; teve apoio de organizações não governamentais do Norte Global; e foi posteriormente reapropriado por intelectuais de formação ocidental e pelo pensamento crítico regional e global, bem como por governos nacionais da primeira onda rosa.

O bem viver contradiz o paradigma cartesiano, que é a base da modernidade: a ideia do homem como dono da natureza. O paradigma cartesiano considera a natureza como exterior à história humana, o ser humano como afastado da natureza, o indivíduo como separado da comunidade. É toda esta concepção que se deve superar, se queremos evitar o fim da humanidade. Especialmente nas versões mais indigenistas de sumak kawsay/suma qamaña, a ideia de comunidade se expressa holisticamente, em dimensões que não se podem pensar separadamente: a comunidade entre as pessoas (vida comunal), entre elas e a natureza (dimensão ecológica) e entre a geração contemporânea e os ancestrais e os que ainda virão (solidariedade intergeracional) (Hidalgo-Capitán et al., 2014; Medina, 2011; Yampara, 2011).

Essas versões não implicam somente num comunalismo em sentido social ou econômico, de maior igualdade, prevalência da pessoa sobre o indivíduo, do comum sobre o privado, do geral sobre o particular. Implicam também numa concepção holística da realidade, numa reintegração orgânica, simbiótica da humanidade à natureza; numa unidade na qual o todo não implica no desaparecimento das partes, o absoluto não implica na desconsideração do relativo. Permitem uma reconexão da geração atual com as futuras e as passadas, o que também implica num repensar histórico e temporal alternativo à modernidade. Ou seja, se traduz em novas compreensões e novos usos do tempo, e consequentemente da produção. A dimensão “ecológica” poderia parecer aqui até mesmo mais importante que a dimensão “igualitária”, na medida em que estamos perto de nossa extinção como espécie. Mas, de fato, a dimensão “ecológica” não pode ser separada da “igualitária” nisto que faz parte de uma mais larga tradição, que é a do “romantismo revolucionário” (Löwy y Sayre, 2015, 2021). A igualdade se aplica aos seres humanos, às sucessivas gerações de humanos e a todos os seres. Uma nova relação com o tempo, uma nova conexão do presente com o passado e com o futuro, implicam em novos usos do tempo e consequentemente dos produtos do tempo. E é deste modo complementar, holístico que ambas as dimensões devem ser entendidas por uma esquerda contemporânea efetivamente radical.

Porém, não se deve esperar propriamente radicalidade numa segunda onda rosa. Inclusive, é o que permite continuar remetendo a uma onda “rosa”, e não “vermelha”. Porém, ao menos novas utopias vêm se constituindo, num passo adiante em relação ao “fim da história” propugnado no final do século XX. O bem viver é um exemplo, que informou algumas das propostas mais criativas da primeira onda rosa, parcialmente desenvolvidas ou que ficaram pelo caminho. Mas aquela ideia que claramente informa um novo horizonte utópico segue em criativa formulação, junto com outras ideias e práticas, que parcialmente emergiram em 2019 durante o estallido social chileno ou a revolta popular equatoriana. Propostas como estas poderiam informar novas interações entre sociedade e Estado, novas políticas distributivas, novos diálogos, novas práticas democráticas, um repensar do desenvolvimento.

Mas evidentemente, é difícil imaginar que tudo isto poderia ocorrer sem organização popular e sem mobilizações na direção de maior radicalidade. Neste sentido, há algum potencial em países nos quais ciclos de mobilização antecederam a chegada das esquerdas ao poder, como Chile e Colômbia. Ainda assim, o governo de Boric começa a dar sinais de recuo. E não se deveria esperar tanto de Petro, após seus movimentos de moderação para chegar como favorito a estas eleições – aprofundados para garantir sua vitória por curta margem no segundo turno. O governo de Petro já avançará muito se democratizar a política colombiana – já começou a fazê-lo simplesmente por “normalizar” as esquerdas, agora desassociadas das guerrilhas e da violência no imaginário daquele país.

No Brasil, menos se pode esperar. Configura-se neste momento uma frente ampla para derrotar o fascismo e as ameaças reais de derrocada definitiva da democracia brasileira – em processo de desmonte desde o golpe institucional de 2016. Assim, em princípio o novo governo se apresentará como uma tentativa de reconstrução democrática e das políticas públicas inclusivas, e alguma retomada da agenda (em condições piores) de redução da fome, da pobreza, do desemprego, de reativação econômica, que caracterizaram as primeiras administrações de Lula. Algumas novidades poderiam vir das mobilizações ecológicas, feministas, negras, LGBTQIA+, indígenas – hoje mais fortes no Brasil do que na primeira eleição de Lula em 2002. Nestas áreas haverão de se apresentar novas propostas e modos de agir. Mas de novo, a chave está nas ruas. Para além das mobilizações visíveis, nunca se pode prever o que pode gerar um estallido social como o chileno. O analista sempre terá dificuldades em observar os movimentos subterrâneos que levam a um fenômeno como aquele, até que ele ocorra. Do contrário, sem mobilizações populares que empurrem os governos, a segunda onda rosa latino-americana provavelmente terá vida curta, configurando um ciclo mais frágil que o anterior.

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