COMPARTIR EN REDES

Revista Tlatelolco, PUEDJS, UNAM
 Vol. 3. Núm. 1, julio-diciembre 2024

Entre a Cruz e a Estrela de David: O Papel dos Senadores da Frente Parlamentar Evangélica no Contexto do Sionismo Cristão no Brasil no pós 7 de outubro de 2023

Between the Cross and the Star of David: The Role of Senators from the Evangelical Parliamentary Front in the Context of Christian Zionism in Brazil in the Post-October 7, 2023

Arturo Hartmann* y Shamira Rossi**

Recibido: 05 de Febrero de 2024 | Aprobado: 29 de marzo de 2024

* Doutor em Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas (Unesp/Unicamp/PUC-SP), membro do CEIA-UFS (Centro Internacional de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade Federal de Sergipe) e do INCT-INEU (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre Estados Unidos).

** Cientista política (UNIRIO), pesquisadora no Grupo de Investigação Eleitoral da Escola de Ciência Política e mestranda no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (IESP/UERJ).

Resumo

Este artigo analisa o comportamento digital dos senadores da Frente Parlamentar Evangélica (FPE) do Brasil em relação ao sionismo cristão e à questão palestino-israelense no período pós-7 de outubro. O objetivo é contribuir para a compreensão da relação entre a extrema direita brasileira e o movimento do sionismo cristão, especialmente neste momento marcantes no confronto colonial entre palestinos e israelenses, no qual testemunhamos um genocídio. A análise das postagens dos senadores no Instagram revela uma relação afetiva com Israel, mas também evidencia uma possível influência da polarização política no posicionamento desses parlamentares. Dividindo o período de análise em dois momentos-chave, o estudo destaca a continuidade desses padrões de comportamento. Conclui-se que, embora exista uma conexão emocional com Israel, essa afetividade não é exclusivamente motivada pela religiosidade cristã, mas também é influenciada pelo contexto político brasileiro. Este trabalho representa um ponto de partida para futuras pesquisas sobre as relações entre política, religião e geopolítica no Brasil contemporâneo.

Palavras chave:

Sionismo cristão, Polarização política, Genocídio, Relações geopolíticas, Extrema direita.

Abstract

This article analyzes the digital behavior of the senators of Brazilian Evangelical Parliamentary Front (FPE) in relation to Christian Zionism and the Palestinian-Israeli issue in the post-7 October period. The aim is to contribute to an understanding of the relationship between the Brazilian far-right and the Christian Zionist movement, especially at this defining moment in the colonial confrontation between Palest-inians and Israelis, in which we are witnessing a genocide. The analysis of the senators posts on Instagram reveals an emotional relationship with Israel, but also shows a possible influence of political polarization on the positioning of these parliamentarians. Dividing the period of analysis into two key moments, the study highlights the continuity of these patterns of behavior. It concludes that, although there is an emotional connection with Israel, this affectivity is not exclusively motivated by Christian religiosity, but is also influenced by the Brazilian political context. This work represents a starting point for future research into the relationship between politics, religion and geopolitics in contemporary Brazil.

Keywords:

Christian Zionism, Political polarization, Genocide, Geopolitical relations, Far-right.

Sumário:

1. Introdução

O presente artigo retrata o fenômeno do sionismo cristão na América Latina e das suas repercussões após o dia 7 de outubro de 2023, a partir do estudo de caso brasileiro. Analisamos a atuação de senadores da Frente Parlamentar Evangélica (FPE) do Brasil no pós-7 de outubro, dia em que o grupo palestino Hamas atacou locais dentro de Israel e que forças israelenses iniciaram ataques à Faixa de Gaza que hoje configuram o crime de genocídio.

Nosso objetivo é contribuir para as investigações sobre como setores da extrema direita brasileira se associam ou fazem parte do movimento do sionismo cristão, organizado para defender o Estado de Israel. Para tal, analisaremos o comportamento dos senadores da Frente Parlamentar Evangélica (FPE) a partir de suas publicações no Instagram realizadas após o dia 7 de outubro de 2023 e até o dia 25 de fevereiro de 2024. A metodologia empregada nesta análise foi a de conteúdo, através da quantificação e exposição das legendas dos senadores na rede social. 

A escolha da segunda data porque identificamos que na América Latina há um padrão de expressão do sionismo cristão através de manifestações de rua, em geral, chamadas de “Marchas” (Machado et al., 2022). As marchas são, em síntese, mobilizações de rua organizadas por grupos religiosos de matriz cristã, entretanto, possuem o objetivo de expressar apoio ao Estado de Israel: 

Em pesquisa de campo, ao percorrer o país em maio de 2022, mês em que se comemorava 74 anos da fundação do Estado de Israel, surpreendia observar as centenas de bandeiras de Israel espalhadas por estradas, avenidas e ruas das cidades. Bandeiras que flanavam especialmente nos mastros das pequenas e megas igrejas pentecostais, ora na entrada dos templos, ora no púlpito, e sempre ao lado da bandeira da Guatemala, talvez sinalizando uma concepção de dupla pertença nacional ou uma adesão religiosa a um projeto político. Bandeiras são o item indispensável na Marcha de Israel, grande evento público que celebra a fundação desse Estado. Tal marcha é organizada por lideranças das igrejas, participando, além dos fiéis, ministros e diplomatas, também a embaixada de Israel e a comunidade judaica. O evento se traduz numa onipresença simbólica de Israel no país, refletida nas centenas de bandeiras espalhadas pelas igrejas. (Machado et al., 2022, p. 2)

Essas marchas são fundamentais para entendermos a dinâmica religiosa dos países latino-americanos, sendo em alguns países predominantemente protestantes, como no caso brasileiro e em outros de predomínio católico, como por exemplo, o México. A partir dessa noção, classificamos a manifestação na Avenida Paulista em fevereiro de 2024 como uma “marcha” pois os símbolos de apoio ao Estado de Israel estiveram presentes e, assim como descrito pelas autoras, um dos setores que mobilizaram foi o religioso, na figura de pastores e líderes evangélicos, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro e demais setores conservadores da sociedade civil. Portanto, assim como também identificado pelas autoras nas demais experiências da América Latina, o ato de fevereiro, mobilizado sobretudo por evangélicos, apresentou manifestações do sionismo cristão através da utilização de símbolos da cultura judaica - o shofar e a estrela de David - e da identidade israelense - a bandeira de Israel. Sendo assim, neste artigo atribuímos à manifestação da Avenida Paulista o caráter de “Marcha” conforme observado pelas autoras pois combina, além de reivindicações antigoverno Lula, aspectos observados nas manifestações sionistas cristãs. 

É importante que destaquemos a atuação do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro tanto nas igrejas evangélicas como no apoio ao sionismo. A relação entre Bolsonaro, os evangélicos e a estratégia de frequentar cultos como mecanismo de mobilização eleitoral pode ser elucidada a partir dos estudos conduzidos por Ferreira e Fuks (2021). Os evangélicos apresentaram uma probabilidade maior de votar em Bolsonaro do que membros de outras religiões, ateus e agnósticos. Esse efeito foi reduzido quando controlado pela frequência a cultos, indicando a influência significativa da participação ativa nessas atividades religiosas na decisão de voto. Os resultados sugerem que a presença de Bolsonaro em cultos pode ter sido uma estratégia eficaz para conquistar votos entre os evangélicos, aproveitando a influência das lideranças religiosas e as mensagens políticas veiculadas durante esses eventos. 

Além disso, em 2017, o então deputado federal Jair Messias Bolsonaro, na época filiado ao Partido Social Cristão (PSC), esteve em um tradicional clube carioca chamado “Hebraica” e símbolo do sionismo judaico carioca. Lá, o deputado proferiu um discurso que teve muita repercussão na mídia brasileira, referindo-se à população negra brasileira de forma pejorativa e racista: “Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas.” O discurso de Bolsonaro pouco dizia sobre o tema do sionismo cristão, entretanto, o fato de um autodeclarado cristão ser convidado para discursar neste clube em uma data comemorativa importante do calendário judaico demonstra a relação de proximidade que Bolsonaro manteve com setores da sociedade brasileira de judeus sionistas ao longo de sua trajetória política, antes mesmo de se tornar presidente em 2018. 

Após a eleição, Bolsonaro estreitou as relações com Israel e entidades sionistas brasileiras revelando uma associação marcada por simbolismos e gestos políticos. O ex-presidente, embora se identifique como católico, realizou um batismo no Rio Jordão, local simbólico para os cristãos evangélicos. Segundo Freire de Alencar (2019), essa dualidade religiosa pode ser interpretada como uma estratégia política para angariar apoio tanto da comunidade católica quanto dos evangélicos, especialmente em um contexto onde questões relacionadas a Israel têm ganhado destaque. Além disso, sua gestão demonstrou um alinhamento com pautas pró-Israel, quando aludiu, em 2019, a uma possível transferência da embaixada para Jerusalém, uma demanda histórica do protestantismo brasileiro, o que acabou não sendo levado adiante (Globo, 2019). 

Uma das justificativas do artigo é considerar que o sionismo cristão já importou uma forma de lidar com a questão palestino-israelense para o Brasil – e para outros países da América Latina – há pelo menos duas décadas. Como iremos demonstrar, o acirramento dos discursos e do enfrentamento, que culminou na virada de 2023 para 2024, é afetado por dimensões que ajudam a interpretar o fenômeno do sionismo cristão no Brasil: o contexto nacional e a conexão das teologias/lideranças evangélicas com o Estado de Israel (e, portanto, afetadas também pelo contexto provocado pelas forças coloniais israelenses).

Um dos argumentos do artigo é que o sionismo cristão, que motivou as críticas ao presidente Lula da Silva no episódio mais recente, faz um movimento muito similar ao realizado por políticas israelenses: apagar a presença palestina nativa para que veja cumprida a sua própria visão político-religiosa da volta dos judeus à Terra Santa. Demonstraremos, a partir da análise das legendas das postagens desses senadores no Instagram, que há um alinhamento ideológico entre os parlamentares acerca do conflito: aceitam  a justificativa de Israel, de que os ataques à Gaza alvejam o grupo armado Hamas, e ignoram o escopo da destruição provocada pelo exército israelense contra os palestinos, um caso contemporâneo de genocídio. 

Podemos apontar o que os sionistas cristãos ignoram quando elaboram sua visão do direito do povo judeu de possuir a “terra prometida” é violência colonial de Israel contra os palestinos. Portanto, vale olharmos o objeto/local e dinâmicas da questão palestino-israelense.

A sugestão é iniciar a leitura do confronto colonial na Palestina a partir do aparato epistemológico conceitual do “encontro contrapontual” criado por Said (1993). O autor estava preocupado em interpretar as experiências do encontro entre o europeu colonizador, movido por um desejo de domínio, e os nativos de diferentes geografias não-europeias, impelidos a resistir, eram refletidos na literatura.

O conceito empresta sua lógica da teoria musical para propor uma estrutura de interpretação de momentos históricos vistos, muitas vezes construídos, como conjuntos de interações caóticas e incompreensíveis. Diz Said (1993) que no “[...] contraponto da música clássica ocidental, vários temas são tocados um sobre o outro [...]”, sem que qualquer um deles tenha um privilégio claro e destacado, apenas provisional e momentâneo. Mesmo justapostos, os temas musicais resultam em uma “polifonia” que apresenta “[...] concerto e ordem, uma interação organizada”. Ele, então, transpõe essa lógica para produzir a leitura contrapontual, que seria entender, por exemplo, romances ingleses como parte do engajamento britânico com a Índia, ou seja, moldados, mesmo determinados, “pela história específica da colonização, da resistência e do nacionalismo nativo” (Said, 1993, p. 51). Assim, ler um texto contrapontualmente seria compreender o que está “envolvido quando um autor representa, por exemplo, uma plantação colonial de açúcar como importante para o processo de manter um estilo de vida particular na Inglaterra” (Said, 1993, p. 66). 

Uma conclusão que podemos tirar é que, se entendermos o sionismo cristão como apoiador das políticas de Israel, de certa forma, a partir do enquadramento contrapontual de Said, podemos concluir que ele faz parte do conjunto da “polifonia” da violência israelense sobre os palestinos.

Said, em determinado trecho, recorre à leitura da oposição elaborada por Frantz Fanon em “Condenados da Terra”. Por essa oposição, Fanon teria enxergado, no território palco do colonialismo, o confronto de dois conjuntos de agentes em uma disputa de natureza conflitiva, na qual “a violência do regime colonial e a contra violência do nativo se equilibram e respondem a cada uma em extraordinária homogeneidade recíproca” (Fanon, apud Said, 2004, p. 267).

O período analisado pelo artigo ocorre inclusive em um dos momentos mais marcantes dessa “natureza conflitiva” constitutiva da relação colonial. Em 7 de outubro de 2023, o grupo palestino Hamas entrou no território de Israel e atacou uma série de centros militares e vilas de civis. Morreram cerca de 1154 pessoas. Israel, desde então, iniciou o empreendimento de uma campanha que configura crime de genocídio. 

O crime de genocídio é definido pela Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, ratificada em dezembro de 1948. Seu Artigo 2 afirma que o crime se dá quando são identificados atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional étnico racial ou religioso. Os cinco pontos da normativa que definem que ação militar foi além de um crime de guerra e constitui crime de genocídio são: matar membros do grupo; causar sérios danos físicos ou mentais a membros do grupo; deliberadamente infligir sobre o grupo condições de vida calculadas para levar a sua destruição física no todo ou em parte; impor medidas com intenção de prevenir nascimentos dentro do grupo; forçosamente transferir crianças de um grupo para outro grupo (Convenção para a Prevenção, 1948). 

No momento em que escrevemos este artigo, de acordo com dados de relatório United Nations for the Coordination Humanitarian Affairs – Coordenação das Nações Unidas para Assuntos Humanitários – (United Nations for the Coordination Humanitarian Affairs, 2024) depois de 222 dias de ataques israelenses à Faixa de Gaza, 35.233 palestinos foram mortos, 1.1 milhão encaravam o risco de níveis catastróficos de insegurança alimentar (fome), 1.7 milhão de palestinos (75% da população) estavam deslocadas internamente.

O sionismo cristão acaba se encaixando como auxiliar na chave elaborada por Patrick Wolfe (2006) sobre a lógica do colonialismo israelense, por meio do conceito de settler-colonialism (colonialismo de povoamento). Esta seria a junção de duas práticas: uma negativa, “a dissolução das sociedades nativas”, e uma outra positiva, a de erigir “[...] uma nova sociedade colonial sobre a base de terra expropriada”. No nexo dessas duas práticas está a premissa do molde de análise do autor: “[...] invasão [como um esforço colonizador] é uma estrutura, não um evento.” Isso porque, na visão do autor, a “eliminação torna-se o princípio organizacional da sociedade de colonos de povoamento (settler-society)”, coordenando atividades que podem ir desde a aniquilação até políticas positivas, como encorajamento da miscigenação e cessão de cidadania nativa (Wolfe, 2006, p. 388, grifo nosso).

Dividimos o período de análise em dois momentos: de 07/10/2023 a 17/02/24 e de 18/02/2024 a 25/02/2024, dia em que ocorreu em São Paulo um ato convocado por setores da extrema direita a favor de Bolsonaro, em defesa de Israel e contra o governo Lula. 

O marco do dia 18, é importante explicar, foi quando Lula faz um discurso na África do Sul que será alvo dos bolsonaristas, ou seja, quando já corria o quarto mês de ataques israelenses contra a Faixa de Gaza, momento que já se caracterizava a ação como genocídio. Aqui os principais trechos da fala do presidente:  

[...] É muito engraçado. Quando eu vejo o mundo rico anunciar que está parando de dar contribuição para a questão humanitária aos palestinos, eu fico imaginando qual é o tamanho da consciência política dessa gente? E qual é o tamanho do coração solidário dessa gente, que não está vendo que na Faixa de Gaza não está acontecendo uma guerra, mas um genocídio! Porque não é uma guerra entre soldados e soldados. É uma guerra entre um exército, altamente preparado, e mulheres e crianças. 

É importante lembrar que em 2010 Brasil foi o primeiro país a reconhecer o Estado palestino. Eu preciso parar de ser pequeno quando a gente tem que ser grande. O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existe um nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu, quando Hitler resolveu matar os judeus. Então não é possível que a gente possa colocar um tema tão pequeno. Você deixar de ter ajuda humanitária. Quem vai ajudar a construir aquelas casas que foram destruídas? Quem vai restituir a vida de 30 mil pessoas que já morreram? 70 mil que estão feridos? Quem vai devolver a vida das crianças que morreram, sem saber porque estavam morrendo? Isso é pouco para mexer com o senso humanitário dos dirigentes políticos do planeta?” (Presidência da República, 2024)

Podemos considerar que Lula conjugava duas dimensões nesse seu discurso: por um lado, recuperava a lógica da política externa “ativa e altiva”, formulada por Celso Amorim para os primeiros dois mandatos (de 2003 a 2012), de política regional e inserção em dinâmicas multilaterais e de mediação de paz (Amorim, 2015), por outro um esforço declarado de reverter políticas e articulações abandonadas pelo governo Bolsonaro (Soares de Lima, 2023).  

2. A definição do sionismo cristão

Antes de entrarmos na análise da dados/declarações, vamos definir o que é sionismo cristão e quais são os vetores que impactam na sua atuação. De acordo com Machado e Mariz (2023), o sionismo cristão é um “conjunto de ações desenvolvidas por setores evangélicos em defesa do Estado de Israel”, com base no argumento de que os judeus teriam o direito de posse e de habitar uma terra prometida ao povo judeu no Antigo Testamento bíblico (p. 2). Ou como elaborado por Crome (2018, p. 9), o sionismo cristão seria “uma crença teologicamente motivada de que o povo judeu tem, por dádiva divina, o direito a possuir e habitar a terra prometida a eles na Bíblia Hebraica e este é, portanto, o dever de cristão em apoiar essa reivindicação”.   

Assim, o sionismo cristão configura-se como uma forma de ativismo político em defesa do que os evangélicos constroem como sua visão da “causa dos judeus”. Essa crença no direito de os judeus terem um Estado se origina tanto de crenças teológicas ligadas a linhas do pentecostalismo como de questões materiais e ideológicas ligadas ao Estado de Israel.  

Importante que o sionismo cristão seja entendido como uma ideologia ou um movimento acessório ao nacionalismo judaico. O sionismo é o conjunto ideológico de um nacionalismo exclusivista que impulsionou métodos e táticas de colonização e ocupação da Palestina, como demonstramos abaixo. Já o sionismo cristão é um movimento que apoia a existência de Israel, fora do território de Palestina/Israel, por meio de uma base evangélica cristã, utilizando textos bíblicos para justificar tal apoio. 

A partir disso, podemos compreender diferentes influências e grupos ligados ao sionismo cristão, incluindo o contexto nacional e teologias pentecostais/neopentecostais, como o movimento de Domínio e Prosperidade (Machado e Mariz, 2023, p. 2). No caso específico abordado neste artigo, o contexto nacional refere-se à política externa durante o governo Lula da Silva em contraste com certos setores do bolsonarismo. Em seguida, ao considerar o conjunto das teologias, buscamos identificar padrões nas declarações dos senadores incluídos em nossa análise, utilizando um quadro de referência baseado em estudos sobre o sionismo cristão.

Freston (2020) traz uma visão mais pragmática. De acordo com o autor, o sionismo cristão pode ser compreendido como uma estratégia política dos cristãos de inserir a causa pró-Estado de Israel e seu direito de se expandir territorialmente nas pautas dos governos nacionais, via parlamentos e instâncias do Estado.  

Reinke (2023) afirma que, no Brasil, existem três tipos predominantes de sionismo cristão: o clássico, o novo sionismo cristão e o simbólico-afetivo. Os três formatos possuem a lógica escatológica em comum, porém, se diferenciam no grau de apoio ao Estado de Israel enquanto ator que contribui na concretização das profecias bíblicas. 

O tipo clássico é aquele que para além da lógica escatológica intrínseca ao sionismo cristão, busca desvendar os fatos presentes a fim de profetizar o futuro. De forma que o Estado de Israel desempenha papel crucial no cumprimento de tais profecias. O dispensacionalismo é de grande importância para essa vertente. Portanto, os sionistas cristãos clássicos apoiam não só espiritualmente Israel, mas também politicamente. Segundo o autor, esse apoio se dá, em grande medida, de forma incondicional, resultando na concepção de que os palestinos são um obstáculo. Destacamos que, a visão sionista cristã clássica tem como efeito na comunidade protestante a noção de “inimigo” acerca dos palestinos e demais povos que se colocarem em oposição ao Estado de Israel, seja espiritualmente, portanto qualquer religião que não esteja compreendida no eixo judaico-cristão, seja politicamente. A concepção de outro/inimigo resulta, por fim, na desumanização daquele que fuja do eixo étnico e religioso ocidental. 

O novo sionismo cristão busca se distanciar do dispensacionalismo, vinculando-se, em geral, aos movimentos amilenistas, pré-milenistas e pós-milenistas. De forma alguma, o ativismo pró Israel é enfraquecido nessa vertente, entretanto, permite uma perspectiva mais cautelosa acerca das demandas humanitárias e políticas da causa palestina. A vertente do novo sionismo cristão crê na solução de dois Estados para o que acreditam ser um conflito entre Israel e Palestina. O ponto de divergência mais agudo em relação à perspectiva clássica é a defesa da dignidade humana dos palestinos, mesmo que os judeus sejam os eleitos divinamente. Os defensores dessa perspectiva são mais abertos ao diálogo, mas ainda assim defendem Israel enquanto povo eleito. Diferenciam, porém, suas estratégias argumentativas para defendê-los em relação ao tipo clássico: avançam para além dos argumentos teológicos - utilizados internamente para debates da comunidade protestante - buscando referenciais políticos e históricos para justificar as ações do Estado israelense (Reinke, 2023). 

O terceiro tipo predominante, o sionismo cristão simbólico-afetivo é extremamente dispensacionalista, tal como o clássico. Essa vertente encara Israel como “relógio de Deus”, portanto, suas ações políticas são justificadas a partir da noção de que seriam cumprimentos de profecias. Reinke (2023) afirma que a manifestação de seus defensores não é de cunho racial, mas sim afetivo e simbólico. A lógica escatológica se traduz na sensação de estar vivendo o derramamento do Espírito Santo em seus últimos dias, ou seja, uma vida próxima ao retorno de Jesus Cristo. Portanto, o foco dessa vertente é no momento atual, pois Israel é encarado como a manifestação visível do Reino de Deus hoje. O resultado principal é a incorporação por parte dos protestantes, de símbolos da cultura judaica. 

A discussão do presente artigo não pretende desenvolver categorias do sionismo cristão tal como Reinke (2023). Entretanto, buscaremos demonstrar a partir da análise das postagens dos senadores selecionados a presença dos três tipos de sionismo cristão entre os parlamentares e, portanto, atores políticos influentes no contexto político do Brasil. Partimos do pressuposto que, os senadores exercem influência não só na formação da opinião pública - principalmente através de suas redes sociais e demais canais de comunicação com seus apoiadores - mas também sobre o posicionamento do Brasil na Política Externa e na mediação de conflitos do cenário internacional. 

3. As viagens ao Estado Israel como manifestação e manutenção do sionismo cristão no Brasil

Uma das questões centrais identificadas por estudiosos do sionismo cristão (Reinke, 2023; Machado e Mariz, 2023) é o papel central que as viagens de turismo religioso à Terra Santa ocupam. Entre as consequências, está o aumento da judaicização das igrejas, ou seja, a adoção de elementos da fé judaica – como o quipá e o talit - ou mesmo da bandeira do Estado de Israel (Machado e Mariz, 2023, p. 6).  

Diante da noção de centralidade que as viagens a Israel desempenham na manutenção do sionismo cristão brasileiro conforme relatado a partir da revisão de literatura, destacamos que um dos pontos que analisaremos será o turismo dos senadores da Frente Parlamentar Evangélica (FPE) para este país. Desde o episódio do 7 de outubro, o senador Carlos Viana (Podemos), que compõe a frente parlamentar, visitou o país. A seguinte legenda de postagem no Instagram, realizada no dia 12/12/2023, do senador Carlos Viana evidencia a relação que as viagens ao país do Oriente Médio possuem com o protestantismo brasileiro: 

Missão Israel cumprida: levamos nosso apoio e carinho ao povo israelense. Ao mesmo tempo que a tristeza batia ao visitar os lugares destruídos pelo o ataque terrorista do Hamas e ao conversar com as famílias que perderam entes queridos ou que ainda estão sequestrados, presenciei a força e a resiliência dos israelenses de que, mais uma vez, o Estado de Israel será reerguido com força, fé e esperança. 🇮🇱

Além disso, outros parlamentares postaram suas viagens a Israel, realizadas em outro momento que não o analisado, para demonstrar seu apreço ao país: Magno Malta (PL) e Damares Alves (Republicanos). Conforme destacado por Reinke (2023, p. 241), “muitos sionistas atuais associam sua empatia com a causa judaica com a visita a Israel”. O texto abaixo foi publicado pelo senador Magno Malta em 20/02/2024 no Instagram.

Há muito tempo venho alertando para os ataques contra Israel e o povo judeu. Este vídeo é de julho de 2022, numa visita que fiz a Israel. Nós, brasileiros, repudiamos todas as falas antissemitas dos integrantes do PT que só fazem fomentar o ódio a um povo que sofreu e vem sofrendo ataques desumanos que têm como objetivo primeiro o seu extermínio. Nós amamos Israel, nós amamos o povo judeu. Lula pode até tentar, mas não vai mudar o sentimento de uma nação inteira.

Outro ponto importante de acúmulo dessas viagens foi incorporar ao conjunto de elaborações do sionismo cristão a difusão de “conquistas dos israelenses nos campos tecnológicos, educacionais e de saúde, bem como (…) divulgar notícias tendenciosas sobre os conflitos do Oriente Médio em suas publicações, programas radiofônicos e televisivos.” Isso difundiu na “base social do movimento evangélico brasileiro concepções idealizadas de Israel e dos judeus, ao mesmo tempo que difundiam uma visão estereotipada dos países árabes, favorecendo o ativismo político de cristãos em defesa dos interesses do Estado israelense” (Machado e Mariz, 2023, p. 7).

4. O modo de atuação

De acordo com Wachholz e Reinke (2020, p. 262), o protestantismo brasileiro, especialmente sua vertente pentecostal, tem estado engajado na causa do sionismo cristão “como agente ativo na política externa do governo do Brasil”. E o exemplo de engajamento viria de fora, do “protestantismo norte-americano.” Nesta chave, a partir da análise de conteúdo das redes sociais dos senadores da bancada evangélica, buscaremos evidenciar a reação dos mesmos ao que a mídia televisiva chama de conflito entre Israel e Hamas, assim como a reação ao posicionamento institucional do Brasil através do Ministério das Relações Exteriores. 

O conjunto teológico não provia apenas conteúdo ou narrativas políticas, mas também um método e forma de ação política. Machado e Mariz (2023) mostram por exemplo que “o movimento chamado de Nova Reforma Apostólica (NRA), criado por Peter Wagner nos Estados Unidos, começou a atrair novas lideranças nacionais para estudar teologia no seminário” em que lecionava na Califórnia. O NRA foi interpretado por pesquisadores, enquanto uma forma de messianismo político-religioso que colocava apóstolos e profetas como centrais na batalha espiritual a ser travada pelos cristãos na construção do Reino de Deus na terra. Por essa perspectiva, os apóstolos agiriam como guerreiros, “transformando a sociedade, estabelecendo o governo dos justos e garantindo o domínio da fé cristã entre os homens.” (Machado e Mariz, 2023, p. 7). O movimento que nos interessa aqui é que, por essa perspectiva, a batalha espiritual é transportada para os planos social e político, com ação “na economia, na igreja, na família, na escola, no mercado, na mídia e na política.” (Machado e Mariz, 2023, p. 8)

A teologia difundida por Wagner considerava o instrumento da “Batalha Espiritual” (Spiritual Warfare) na busca de domínio sobre esse mundo. Assim, aqueles identificados com a NRA abraçavam a teologia do domínio e a “Profecia das Sete Montanhas” de Peter Wagner, que defende “que os cristãos devem dominar as sete áreas importantes da sociedade- Família, Religião, Educação, Mídia, Entretenimento, Finanças e Governo.” Ela combina a busca pela prosperidade, lutas políticas e a promoção de caravanas como uma oportunidade de se aproximar da Terra Santa – em termos religiosos – e do Estado de Israel – como a manifestação política dessa ideia (Machado e Mariz, 2023, p. 12; Machado et al., 2022, p. 8).

Certamente, a doutrina do dispensacionalismo nos Estados Unidos, exemplificada pela necessidade de envolvimento político, é destacada em um artigo presente na Bíblia de Estudo Profética de LaHaye. Um trecho afirmava: "A santidade de Deus e o retorno dos judeus à sua terra deveriam envolver profundamente todo crente em Cristo." E acrescentava:

A igreja, o povo judeu, políticos e nações do mundo estão se submetendo a um teste fundamental. Sob o olhar atento de Deus, desempenhos são avaliados e destinos são determinados com base não só no exercício da nossa fé, mas também no nosso relacionamento com o povo judeu. (LaHaye, 2005, p. 795, apud Walchhoz e Reinke, 2020, p. 265) (grifo nosso)

LaHaye afirmava que o cristão deveria estar comprometido à questão nacionalista dos judeus, ou seja, o sionismo. Mais do que isso: “os destinos eternos dos cristãos não são baseados apenas na fé (...), mas na forma como eles se relacionam com a atual nação de Israel” (Walchhoz e Reinke, 2020, p. 265).

Machado e Mariz (2023) identificaram um conjunto de iniciativas de autoridades religiosas (que podemos expandir para políticos ligados à comunidade evangélica) que “expressam a importância do Estado de Israel no meio cristão” brasileiro. Entre elas estão: a publicação de artigos e livros defendendo a geopolítica de Israel; a realização de peregrinações/viagens à Terra Santa; o uso da bandeira de Israel em eventos públicos; realização de viagens a Brasília para realizar lobby junto aos parlamentares, ministros e até presidentes da República; visitas ao Itamaraty e à Embaixada de Israel em Brasília; postagens na rede social Youtube de vídeos enaltecendo Israel; e ajuda financeira para a imigração para Israel. 

Especificamente, os políticos evangélicos usam o Parlamento para: celebrar a data de criação do Estado de Israel, exercer pressão política no Poder Executivo, fazer pronunciamentos criticando o Poder Executivo brasileiro, como em 2014, quando o governo Dilma fez restrições às indicações do Estado israelense para a Embaixada, realizar pronunciamento em defesa de Israel quando se acirram os conflitos armados no Oriente Médio, participar de grupos sionistas internacionais para conhecer e discutir as legislações pró-Israel que estão sendo implementadas nos Estados Unidos e em outros países e apresentar moções de repúdio às votações da representação do Brasil na ONU que contrariam os interesses israelenses (Machado e Mariz, 2023, pp. 16-17).

Uma das mudanças que surge a partir do contato com autoridades e instâncias do governo de Israel é o “crescimento de argumentos de caráter cultural e secular”, com um discurso focado na “capacidade de inovação tecnológica, o desenvolvimento econômico e educacional, assim como a dimensão democrática da sociedade israelense.” Machado e Mariz trabalham com a hipótese de que as visitas de autoridades ao Estado de Israel acabam por impactar no discurso, fazendo com que aquela configuração nacional apareça em vários discursos como um “farol” para outras nações (Machado e Mariz, 2023, p. 17). Um ponto importante levantado pelas autoras é que esse discurso pode ser moldado em contato direto com missões e entidades de defesa do Estado de Israel. Autoridades brasileiras fizeram parte de uma “política de recrutamento e de formação de lideranças políticas” da Israel Allies Foundation (IAF) (Machado e Mariz, 2023, p. 22). 

O crescimento do turismo de evangélicos para a Terra Santa, na esteira do fortalecimento das forças políticas ligadas a eles, ampliaram o interesse dos governos israelenses pelas lideranças cristãs, “na expectativa de conseguir simultaneamente maior injeção de divisas e criar uma pressão política para que o Poder Executivo brasileiro adote uma posição mais alinhada com o projeto expansionista israelense.” Machado e Mariz detectaram em sua pesquisa, com entrevistas com legisladores, que a embaixada de Israel em Brasília e o consulado localizado em São Paulo foram citados como responsáveis pelo envio de artigos jornalísticos e/ou livros sobre o moderno Estado israelense. Outra iniciativa da representação diplomática israelense é estender convites de viagens a legisladores a Israel (Machado e Mariz, 2023, p. 24).

A conclusão que podemos tirar dessa relação entre autoridades, lideranças religiosas e instâncias do governo israelense é que o respaldo dos evangélicos às políticas dos governos e as parcerias e trocas econômicas se fortalecem nessa relação. (Machado e Mariz, 2023, p. 25). Afinal, é nessas viagens que “legisladores e pastores tendem a fortalecer as narrativas que destacam a resiliência, o caráter inovador e as conquistas culturais dos judeus, assim como o desenvolvimento e o poderio do Estado israelense.” (Machado et al., 2022. p. 27).

5. Uma mudança a partir de 2010: a aproximação com o evangelismo dos EUA

Há uma mudança observada a partir de 2010, que poderia ser definida por uma aproximação da agenda de setores evangélicos brasileiros à agenda da “direita cristã norte-americana”. Isso seria identificado por um discurso “em favor da construção de uma maioria cristã e a articulação da agenda moral, defendida por pentecostais até aquele momento, com uma agenda econômica neoliberal.” (Machado et al., 2022. p. 17).

Antes é necessário apontarmos certas diferenças relevantes em relação à realidade dos dois conjuntos evangélicos – EUA e Brasil -, como elaborado por Carpenedo (2021). O sionismo cristão, desde o momento colonial britânico, teve um papel importante na formação da identidade nacional estadunidense. Já no século 19, figuras como o pastor William Eugene Blackstone elaboravam a ideia da necessidade de apoiar a restauração de um Estado judeu dentro da lógica de bençãos/recompensas, para os apoiadores, ou maldição/punição, para os opositores. 

Uma característica do Brasil é que o campo evangélico, assim como outras denominações cristãs, está imerso em uma “matriz religiosa brasileira”, informada por um catolicismo ibérico, religiões e crenças nativas e cultos africanos, combinando o espiritual e o mundano. As expressões evangélicas no Brasil foram bem-sucedidas em rearticular esses elementos na teologia e na prática. Um outro elemento central apontado por Carpenedo, no caso da adoção de rituais judaicos de arquétipos “born again” é uma diferenciação de classe. No caso brasileiro, que ocorre entre fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), ele é adotado por fiéis de classes econômicas e étnicas da periferia das grandes cidades. Já nos EUA, é uma classe média branca nascida nas décadas seguintes ao pós-2ª Guerra (Carpenedo, 2021).

Feita essa observação central, a aproximação que sugerimos aqui resvala mais para a dinâmica política incorporada à teologia evangélica. Para Walchhoz e Reinke (2020, p. 267), por exemplo, a matriz do sionismo cristão dos EUA à qual o Brasil está se aproximando estrutura-se assim: “Israel como segunda pátria dos cristãos, promessa de bênçãos à nação que apoiar Israel, lobismo junto ao governo brasileiro, ligação com autoridades israelenses e afirmação do engajamento político na causa.” 

Isso surge no contexto dos anos do governo do PT, em que Lula/Dilma equilibrou uma ação de defesa dos palestinos e de seus direitos em fóruns internacionais, mas uma relação estreita com Israel em questões de segurança. No entanto, mesmo dentro dessa lógica, parlamentares ligados ao sionismo cristão focaram na primeira dimensão política e criaram vozes dissonantes defendendo o Estado de Israel. Machado e outros pesquisadores apontam que em suas pesquisas realizadas nos sites da Câmara e do Senado Federal descobriram que “este ativismo parlamentar dos cristãos cresce muito na segunda década do século XXI e tem um pico grande no ano de 2017, um ano depois do impeachment de Dilma” (Machado et al., 2022, p. 17). As pesquisadoras também revelaram que registros “indicam ainda viagens a Israel de vários parlamentares evangélicos brasileiros na condição de convidados do governo local durante os anos de 2015, 2017 e 2019.” 

É possível pensar que conquistas consolidadas nos governos petistas no campo dos direitos humanos, de reivindicações feministas e pela diversidade sexual, além da implementação de uma série de políticas públicas no campo educacional reprodutivo e da sexualidade, foram o impulso para uma reação de setores conservadores dos cristãos brasileiros (Machado et al., 2022. p. 27).

Um movimento parecido ocorreu nos EUA, já que “o ativismo politicamente conservador dos evangelicals, a nomeada direita cristã e seu correlato, o sionismo cristão, começou a ganhar corpo nos Estados Unidos na década de 1970 e seria uma reação às transformações culturais, políticas e econômicas em curso na sociedade”. Alguns dos pontos então que iniciaram o movimento político da extrema direita foram “a difusão da contracultura e em especial os movimentos pelos direitos civis que reivindicavam mudanças nas hierarquias raciais e de gênero” (Machado et al., 2022. p. 5).

Por isso, diante do exposto acima, é possível identificarmos que o grande impulso recente que fez crescer o sionismo cristão mais próximo ao estadunidense foi a luta política que emerge, no contexto nacional, da vitória de Jair Bolsonaro. Um exemplo é o debate sobre a mudança da embaixada brasileira para Jerusalém (Machado et al., 2022, p. 17).

A conclusão de Machado sobre a eleição de 2018 é que ali foi demonstrado, na disputa eleitoral entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, que houve ao redor do candidato do Partido Liberal (PL) um alinhamento de setores cristãos e judeus conservadores. Os líderes e mobilizadores dessa coalizão eram líderes evangélicos “que dispõem de uma grande capacidade de mobilização das camadas populares.” As pesquisadoras apontam que, comparando os dados das pesquisas de intenção de votos do Datafolha (25/10/2018) e do IBOPE (27/10/2018), estima que, no segundo turno das eleições de 2018, “Bolsonaro obteve cerca de 20 milhões de votos e Haddad 10 milhões” de parte dos “42 milhões de eleitores evangélicos” (Fonseca, 2018 apud Machado et al., 2022, p. 18).

Portanto, entre os fatores exógenos que moldam novos fenômenos no Brasil estão o governo Trump, a política de recrutamento por parte ONGs sionistas cristãs de legisladores brasileiros para cursos de formação nos EUA e a influência dos evangelicals nas Igrejas brasileiras e as políticas de relações internacionais de Israel para atrair o apoio de evangélicos na região da América Latina. Já no plano interno, o apoio a Israel é impulsionado pelo fortalecimento político dos evangélicos, eleição de Bolsonaro em 2018 e seu alinhamento com Trump, a atuação da Embaixada de Israel no país e as viagens de pastores e legisladores à Terra Santa (Machado et al., 2022).

6. Discussão:

O presente artigo mapeou as postagens de Instagram dos senadores da Frente Parlamentar Evangélica (FPE). São 26 os senadores que compõem a frente (legislatura 2023-2026), conforme a tabela 1. 

 

Tabela 1 - Senadores que compõem a Frente Parlamentar Evangélica (FPE)

Parlamentar Partido Unidade Federativa (UF)
Alan Rick UNIÃO Acre
Astronauta Marcos Pontes PL São Paulo
Carlos Viana PODEMOS Minas Gerais
Damares Alves Republicanos Distrito Federal
Davi Alcolumbre UNIÃO Amapá
Dr. Hiran PP Roraima
Eduardo Braga MDB Amazonas
Eduardo Girão NOVO Ceará
Eduardo Gomes PL Tocantins
Efraim Filho UNIÃO Paraíba
Esperidião Amin PP Santa Catarina
Flávio Arns PSB Paraná
Flávio Bolsonaro PL Rio de Janeiro
Hamilton Mourão Republicanos Rio Grande do Sul
Jaime Bagattoli PL Rondônia
Jorge Kajuru PSB Goiás
Laércio Oliveira PP Sergipe
Luis Carlos Heinze PP Rio Grande do Sul
Magno Malta PL Espírito Santo
Plínio Valério PSDB Amazonas
Renan Calheiros MDB Alagoas
Rodrigo Cunha PODEMOS Alagoas
Rogério Marinho PL Rio Grande do Norte
Wellington Fagundes PL Mato Grosso
Zenaide Maia PSD Rio Grande do Norte
Zequinha Marinho PODEMOS Pará

Fonte: Elaboração própria (2024). 

O comportamento dos senadores, no Instagram,  frente ao conflito foi analisado em dois períodos: 1) o período que se inicia no dia 07/10/2023 - data em que o Hamas cruzou a fronteira entre Israel e Gaza e invadiu uma série de locais - vilas, kibbutzim e uma festa rave - nas proximidades da cerca, vitimizando 1154 pessoas, e vai até o dia 17/02/2024; 2) o período entre o dia 18/02/2024 - data do discurso do Presidente Lula sobre o genocídio na África do Sul e 25/02/2024 - ato pró Bolsonaro e em oposição ao governo Lula na Avenida Paulista. 

Nossa análise passará, primeiramente, por uma descrição quantitativa das postagens dos senadores da Frente Parlamentar Evangélica. As variáveis a serem analisadas nesse momento são o número de postagens sobre o assunto por senador, os tipos de postagem, as datas de maior concentração de postagens e, por fim, o ranking de palavras-chave. 

A escolha das palavras-chave vai de encontro com a literatura revisada anteriormente. Conforme abordado, nossa hipótese consiste na crença, por parte dos senadores analisados, de que o “conflito” se dá entre o grupo Hamas e o Estado de Israel, não sendo a Palestina o alvo. Portanto, buscamos contabilizar a quantidade de vezes que estas aparecem nas legendas de Instagram dos senadores quando estes se referem aos acontecimentos em Gaza. Além disso, o termo terrorismo e seus derivados são importantes para consolidar essa noção. Por fim, buscamos compreender através da quantificação e dos contextos inseridos, como os senadores retratam o “conflito” e como o relacionam com as figuras de Lula e Bolsonaro. 

7. Primeiro momento (07/10/2023 - 17/02/2024):

No primeiro período analisado, 15 senadores se manifestaram sobre o genocídio. No total, foram 175 postagens no Instagram sobre o assunto. Dentre as 175 postagens, 19 foram falas em plenário, portanto, houve, nesses casos, a intenção em demonstrar através de suas redes sociais, seu posicionamento em plenário. 

Tabela 2 - Número de vezes que as palavras-chave foram utilizadas pelos senadores no período entre 07/10/2023 e 17/02/2024. 

Palavra Número de vezes utilizada
Hamas 79
Terrorista

65

Israel 55
Terroristas 38
Ore 37
Lula 34
Bolsonaro 34
Paz 28
Terrorismo 22
Deus 21
Palestina 6

Fonte: elaboração própria.

A partir do número de vezes que as palavras se repetiram ao longo do período, vale destacar que, “Hamas” é citado 79 vezes pelos senadores da Frente Parlamentar Evangélica. Esse dado se torna relevante quando comparado com a quantidade de vezes que “Palestina” aparece nas legendas de post, apenas 6 vezes. Esse contraste fica ainda mais evidente quando comparado com a quantidade de vezes que “Israel” foi utilizada pelos parlamentares, 55 vezes. Essa quantificação nos ajudará a solidificar o argumento de que há, por parte dos senadores da Frente Parlamentar Evangélica, a percepção de que o conflito se desdobra entre o Hamas e o Estado de Israel. 

A fim de exemplificar a concepção que o “conflito” se dá entre Israel e Hamas, por parte dos senadores que compõem a frente evangélica, selecionamos 5 legendas de postagens: 

Os terroristas do Hamas fecharam uma estrada e atiram em que tenta sair da zona de guerra no norte da Faixa de Gaza, relatou um palestino a um militar das Forças de Defesa de Israel. A gravação da conversa foi divulgada nesta quinta-feira (26) nas redes sociais e mostra que o homem está preocupado em buscar um abrigo, mas não consegue sair do local onde está. Segundo o relato, a estrada bloqueada é a Salah al-Din, que é a mais importante da Faixa de Gaza. Esse é o principal caminho até Khan Yunis e cruza toda a região de norte a sul. (Legenda da postagem do senador Alan Rick (UNIÃO), em 27 de outubro de 2023).

Estou em missão na “Terra Santa”. Meu posicionamento é firme: a maioria dos brasileiros apoia o direito de Israel de existir e de responder as agressões dos terroristas do Hamas. Acompanhe. (Legenda da postagem do senador Carlos Viana (PODEMOS), em 6 de dezembro de 2023).

Lula omite os ataques covardes do Hamas ao Estado de Israel. Matando, estuprando e queimando 1300 pessoas. (Legenda da postagem do senador Carlos Viana (PODEMOS), em 15 de novembro de 2023).

Conflito Israel x Hamas, atuação do governo Lula e legado de @jairmessiasbolsonaro estão entre as pautas abordadas. Link nos stories!  (Legenda da postagem do senador Flávio Bolsonaro (PL), em 14 de outubro de 2023).

O grupo terrorista Hamas não simplesmente atacou Israel. O Hamas, covardemente, atacou civis; homens, mulheres e crianças inocentes. Assassinato em massa não tem perdão e Israel tem que responder! (Legenda da postagem do senador Hamilton Mourão (Republicanos) em 16 de outubro de 2023). 

O posicionamento do Governo Federal foi alvo de críticas por parte dos parlamentares selecionados para a presente pesquisa. Entretanto, destacamos que tais comentários estavam relacionados ao apoio desses senadores ao ex-presidente Bolsonaro (PL). Portanto, propomos que para além do sionismo cristão enquanto fator decisivo para o posicionamento pró Israel dos senadores da FPE, o bolsonarismo é também um elemento importante na decisão de se manifestar nas redes sociais contra o Governo Federal. Para tal, selecionamos as seguintes legendas de postagem no Instagram:

Precisamos deixar uma coisa importantíssima: a posição de Lula é extremamente contrária ao que pensa a maioria dos brasileiros. Mais uma vez ele se alinha com o lado errado, o lado autoritário, o que não é nenhuma novidade. Aqui no Brasil, vocês podem ter certeza, nós amamos e apoiamos o povo judeu e o estado de Israel. Opiniões diferentes existem, mas são uma minoria que berra bem alto. (Legenda da postagem do senador Magno Malta (PL), publicada em 12 de janeiro de 2024).

Desde o dia 7 de outubro, quando o Hamas invadiu e atacou Israel, o governo brasileiro tem demonstrado seu posicionamento, tanto para os brasileiros quanto para o mundo. Nesta semana, Lula reafirmou a posição do país em não rotular o Hamas como uma organização terrorista, alinhando-se com a postura da ONU. Além disso, ele continua a criticar o direito de defesa de Israel. É importante ressaltar que essa posição do governo petista não representa a opinião da maioria dos brasileiros, muitos dos quais apoiam Israel e condenam o grupo terrorista Hamas (sim, é um grupo terrorista!).  (Legenda da postagem do senador  Magno Malta (PL), publicada em 29 de outubro de 2024).

A lógica de Lula, de acordo com sua fala no vídeo, pode ser exemplificada da seguinte maneira: imagine que sua residência é invadida por bandidos, que matam alguns de seus familiares e mantêm outros como reféns, enquanto você não terá o direito de defesa, pois qualquer tentativa de intervenção poderia transformá-lo no vilão da situação. Assim, Lula persiste com uma narrativa errada a respeito de Israel, causando um constrangimento internacional e entre a comunidade judaica. (Legenda da postagem do senador  Magno Malta (PL), publicada em 24 de outubro de 2024).

Troquem os personagens e imaginem Bolsonaro apoiando os terroristas do Hamas? Triste ver que parte da mídia se vendeu! Lula pode cometer qualquer atrocidade que continuarão vendados e ocupados contando dinheiro! Ahhhh, mais uma coisa… graças a Deus mais alguns brasileiros conseguiram sair da Faixa de Gaza. Alguns heróis não usam capa, às vezes usam verde e amarelo! 🇧🇷 (Legenda da postagem do senador Flávio Bolsonaro (PL) em 12 de novembro de 2023).

8. Período entre 18/02/2024 e 25/02/2024:

No segundo período analisado, os senadores da bancada evangélica fizeram 37 postagens no Instagram sobre o assunto. Dos 26 senadores da FPE, apenas 16 se manifestaram no segundo período de análise, ou seja, um a menos do que no período anterior. 

Utilizamos as mesmas palavras-chave na busca quantitativa dos discursos, entretanto, conforme demonstrado na Tabela 3, as palavras mais citadas foram diferentes. O discurso de Lula, realizado no dia 18/02/2024, na África do Sul (ver acima), provavelmente foi o fator decisivo para essa mudança. 

 

Tabela 3 - Número de vezes que as palavras-chave foram utilizadas pelos senadores no período entre 18/02/2024 e 25/02/2024.

Palavra Número de vezes utilizada
Israel 18
Lula 16
Bolsonaro 12
Hamas 11
Deus 8
Terrorista 6
Ore 6
Paz 5
Terroristas 2
Palestina 1
Terrorismo 0

Fonte: Elaboração própria

Conforme esperado, o discurso do Presidente Lula teve impacto no posicionamento dos parlamentares analisados. Depois do pronunciamento, “Israel” foi a palavra mais citada no segundo período de análise. 

Mais uma fala de Lula que nos envergonha internacionalmente! (Legenda de postagem do senador Alan Rick (UNIÃO) em 18 de fevereiro de 2024).

A declaração do Presidente Lula comparando o Governo de Israel a Hitler é uma mancha na história diplomática brasileira. Em discurso no plenário do Senado, nesta quarta-feira (21/02), manifestei a minha indignação e preocupação com as consequências negativas que a declaração infeliz do Presidente da República podem provocar no Brasil. Todos podem errar. Mas falta humildade a Lula para reconhecer o erro. Veja aqui um trecho do discurso e depois acesse o meu canal youtube.com/@astropontes para assistir a íntegra. (Legenda de postagem do senador Astronauta Marcos Pontes (PL) em 22 de fevereiro de 2024)

Estou esperando o ministro Mauro Vieira aqui no Senado. Quero que explique as declarações absurdas do presidente Lula em relação a Israel e ao conflito em Gaza. #senadorcarlosviana #avozdeminasnosenado #senadorporminas #presidente #brasil #israel #hamas #terrorista #gaza #ministro. (Legenda de postagem do senador Carlos Viana (PODEMOS) em 25 de fevereiro de 2024)

O Hamas quer a destruição do Estado de Israel e de todos os judeus. E pelo jeito é este tipo de gente que o Partido das Trevas quer como aliado. Quer aliar-se a terroristas. O Congresso Nacional precisa responder à altura. Este senhor não tem qualquer condição de permanecer na liderança de nosso povo. Fora, Lula. #impeachmentdolula. (Legenda de postagem da senadora Damares Alves (Republicanos) em 18 de fevereiro de 2024)

DE “ANÃO” À ESCÓRIA DA DIPLOMACIA: LULA COMETE CR1M3 E DESMORALIZA O BRASIL PERANTE O MUNDO📌 O pres…Lula teima em colocar nossa Nação em “maus lençóis” e envergonha tanto os cidadãos de bem que já tá virando, também, “persona non grata” em seu próprio País. Ele claramente cometeu um CR1M3 de responsabilidade segundo nossa Constituição e o @partidonovo está se posicionando política e institucionalmente pelo seu impeachment! Além disso, eu, no @senadofederal e os deputados @marcelcvanhattem e @adriventurasp, na @camaradeputados – protocolamos, na Procuradoria-Geral da República (PGR), notícia-CR1M3 contra o pres. Lula pela prática de “r4c1sm0” e “ant1ss3m1tismo” ao comparar as ações de defesa de Israel, em resposta ao grupo terr0r1st4 H4m4s, na Faixa de Gaza, ao Hol0c4ust0 n4z1st4, e, também, pelos aportes extras à agência de refugiados palestinos da ONU, denunciada por envolvimento de funcionários no at4qu3 que desencadeou tal conflito. Ainda assinei notas de repúdio dos senadores @alanrickm e @rogerio.smarinho, contra esses desproporcionais devaneios proferidos pelo petista, que custam caro ao Brasil e rebaixam nosso país a anão diplomático no cenário internacional. O ministro de Relações Exteriores israelense, Israel Katz, afirmou ao embaixador do Brasil em Israel que Lula não será bem-vindo no país até que se retrate por suas palavras, as quais considera “um grave at4qu3 ant1ss3mit4”. Na diplomacia, essa grave represália precede o rompimento de relações diplomáticas. Que a Verdade, a Justiça e o bom senso prevaleçam em nossa Nação. Deus no controle. De tudo! Paz & Bem 👍🇧🇷☀️🙏🏽 #senadoreduardogirão #pelobrasil #peloceará #porfortaleza #justiçaparatodos #éticanapolítica #fimdaimpunidade #jesusnocomando. (Legenda de postagem da senador Eduardo Girão (NOVO) em 20 de fevereiro de 2024)

Lula sofre da síndrome do Napoleão Tupiniquim. O problema disso é que o Brasil é humilhado junto. Lula é sinônimo de crise! (Legenda de postagem do senador flávio Bolsonaro (PL) em 21 de fevereiro de 2024)

Outro detalhe importante não deve ser perdido nessa análise: a semana entre os dias 18 e 25 de fevereiro de 2024 compreende o período de mobilização para a manifestação que aconteceu na Avenida Paulista. Portanto, senadores utilizaram a questão do “conflito” para mobilizar eleitores e apoiadores do ex-presidente Bolsonaro a estarem presentes. Não coincidentemente, a terceira palavra mais citada nesse segundo período de análise foi “Bolsonaro”, 12 vezes. 

Projetos de lei de minha autoria aprovados e preocupação com a segurança e com as relações Brasil/Israel. Assim foi nossa semana no Senado. Confira no vídeo. E um excelente final de semana. Ah, lembre que amanhã tem manifestação pacífica na av. Paulista, em São Paulo, em defesa do Estado Democrático de Direito junto com o Presidente @jairmessiasbolsonaro. (Legenda de postagem do senador Astronauta Marcos Pontes (PL) em 23 de fevereiro de 2024)

9. Conclusão

No presente artigo, buscamos contribuir para a discussão do sionismo no Brasil a partir da análise do comportamento digital dos senadores que compõem a Frente Parlamentar Evangélica. Primeiramente, foi necessário abordar a literatura sociológica que define e discute os múltiplos formatos que o sionismo cristão assume no Brasil. Em seguida, passamos à análise das postagens dos parlamentares em dois períodos distintos. Obviamente, a pesquisa qualitativa possui limitações em termos de generalizações, entretanto, é uma importante ferramenta no mapeamento de comportamentos destes parlamentares. Portanto, o objetivo principal do texto foi descrever tais posicionamentos a fim de explorar possíveis padrões entre os parlamentares em relação ao genocídio em curso. 

Alguns pontos são importantes para compreender a lógica do nosso trabalho: 1) Os dois períodos foram divididos a fim de entendermos se os atores buscaram se manifestar de forma diferente após o discurso de Lula na África do Sul; 2) Partimos do pressuposto de que as postagens dos senadores são a mensagem que querem passar a seus eleitores e ao público em geral, portanto, sua opinião diante do eleitorado. 

Foi possível concluirmos que há no Brasil uma relação afetiva entre os parlamentares da frente evangélica e o Estado de Israel, entretanto não é possível afirmar que essa afetividade se dá unicamente a partir da religiosidade cristã e seu apreço ao estado israelense. Reinke (2023) ao dividir o sionismo cristão em 3 grandes vertentes, categorizou o afeto enquanto crucial ao terceiro tipo: o simbólico-afetivo. Durante o texto, levantamos a hipótese de que a atual configuração política de polarização do país influencie no posicionamento desses senadores. Portanto, a partir das legendas, foi possível demonstrar que a relação binária conflituosa, entre apoiadores do Presidente Lula e do ex-presidente Bolsonaro, se estende também ao campo internacional. De forma alguma, o presente artigo e suas análises nos permitem chegar a conclusões generalizantes sobre essa hipótese, tendo em vista que analisamos um número pequeno de casos. Porém, essas evidências representam um interessante ponto de partida para novas pesquisas que possam ajudar na consolidação dessa hipótese. 

Em síntese, este estudo contribui para uma compreensão mais profunda do sionismo no contexto brasileiro, destacando a relação entre os senadores da Frente Parlamentar Evangélica e o Estado de Israel. Mas não só, já que esse estudo nos permite entender lógicas regionais, em que uma ascensão de ideologias e movimentos mais conservadores e de extrema direita, que podem afetar a América Latina, afetam e enquadram de novas maneiras políticas públicas, políticas externas mais especificamente. Em um continente em que as polarizações ganham diferentes camadas, a ligação que setores específicos da extrema direita articulam com Israel podem colaborar para entendermos tendências compartilhadas no continente. 

No caso estudado aqui, o que podemos dizer é que, embora tenhamos identificado uma relação afetiva entre esses parlamentares e Israel, é importante reconhecer que essa ligação não se limita apenas à religiosidade cristã. A análise das postagens no Instagram sugere que o posicionamento desses senadores também é influenciado pelo cenário político interno do Brasil, especialmente pela polarização entre os apoiadores de Lula e Bolsonaro. Embora as conclusões deste estudo não permitam ainda generalizações amplas devido ao tamanho limitado da amostra, elas fornecem uma base sólida para futuras pesquisas explorarem a relação entre política, religião e geopolítica no Brasil contemporâneo e em outros países do continente. Portanto, este trabalho representa um ponto de partida significativo para investigações mais aprofundadas sobre esse tema complexo e em constante evolução.

10. Bibliografia

Amorim, C. (2015). Teerã, Ramalá e Doha: memórias da política externa ativa e altiva. Benvirá.

Globo. (2019, 31 de março). Após cogitar transferir embaixada, Bolsonaro anuncia escritório comercial em Jerusalém. G1.https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/03/31/apos-cogitar-transferir-embaixada-bolsonaro-anuncia-escritorio-diplomatico-em-jerusalem.ghtml 

Bartel, C. (2010). Sionismo e progressismo: dois projetos para o judaísmo brasileiro. WebMosaica.

Carpenedo, M. (2021). Christian Zionist religiouscapes in Brazil: Understanding Judaizing practices and Zionist inclinations in Brazilian Charismatic Evangelicalism. Social Compass, 68(2), 204-217.

Carranza, B., Machado, M. D., Mariz, C. L. (2023). Introdução-Sionismo cristão na América Latina e suas múltiplas dimensões. Ciencias Sociales y Religión, 25, p. e023023-e023023.

Convention on the Prevention and Punishment of the Crime of Genocide (1948, 9 de dezembro). Aprovado e proposto para assinatura e ratificação pela Assembleia Geral, entrou em validade em 12 de janeiro de 1951.https://un.org/en/genocideprevention/documents/atrocity-crimes/Doc.1_Convention%20on%20the%20Prevention%20and%20Punishment%20of%20the%20Crime%20of%20Genocide.pdf

Crome, A. (2018) Christian Zionism and English National Identity, 1600–1850 - Christianities in the Trans-Atlantic World. Palgrave-Macmillan. 

Freire de Alencar, G. (2019). Um país laico com um governo “terrivelmente” cristão?. Interações14(25), 13-28. 

Fanon, F. (2004). The Wretched of the earth. Grove Press. 

Ferreira, M. G. e Fuks, M. (2021). O hábito de frequentar cultos como mecanismo de mobilização eleitoral: o voto evangélico em Bolsonaro em 2018. Revista brasileira de ciência política.

Freston, P (2020). Bolsonaro, o populismo, os evangélicos e América Latina. En Pérez, J. L. e Carranza, B. (orgs.). Novo ativismo político no Brasil, 371-391. Konrad Adenauer Stiftung. 

Machado, M. D. C.; Mariz, C. L.; Carranza, B. (2021) Articulações político-religiosas entre Brasil-USA: direita e sionismo cristãos. Ciencias Sociales Y Religión/Ciências Sociais E Religião, 23, e021021-e021021.

Machado, M. D. C.; Mariz, C. L. e Carranza, B. (2022). Genealogia do sionismo evangélico no Brasil. Religião & Sociedade, 42, 225-248.

Machado, M. D. C. e Mariz, C. L. (2023). O sionismo cristão no Brasil do século XXI e os interesses em jogo. Ciencias Sociales y Religión, 25, e023025-e023025.

​​Mcdermott, G. (ed.). (2016) The New Christian Zionism - Fresh perspectives on Israel e the land. IVP Academic. 

Presidência da República. (2024, 18 de fevereiro). Entrevista coletiva do presidente Lula durante visita à Etiópia. https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/entrevistas/entrevista-coletiva-do-presidente-lula-durante-visita-a-etiopia 

Reinke, A. D. (2023). A função do imaginário no sionismo cristão brasileiro. Ciencias Sociales y Religión, 25, e023024-e023024.

Said, E. (1993). Culture and Imperialism. Vintage Books. 

Soares de Lima, M. R. (Jan-Mar, 2023). A dialética da política externa de Lula 3.0. CEBRIRevista. 2(5), 79-95.

United Nations for the Coordination Humanitarian Affairs (2024, 15 de maio). Hostilities in the Gaza Strip and Israel - reported impact | Day 222. https://www.ochaopt.org/content/hostilities-gaza-strip-and-israel-reported-impact-day-222 

Wachholz, W. e Reinke, A. D. (2020). Pela paz de Jerusalém: a origem do sionismo cristão, sua influencia na igreja protestante brasileira e sua atuação no Congresso Nacional. Revista Brasileira de História das Religiões, Maringá, 13(37), 253-273. 

Wolfe, P. (dezembro 2006). Settler colonialism and the elimination of the native. Journal of Genocide Research. 8(4), Routledge, 387–409.